Serendipity

The laws of chance, strange as it seems,
Take us exactly where we most likely need to be
[David Byrne]

terça-feira, 31 de agosto de 2004

She Who Dwells

A primeira música que ouvi foi a “Troy” mas, nessa altura (1988), chamava-lhe “phoenix from the flame”. Vinha numa cassete gravada na Holanda - uma composição de various artists feita em casa -, e a minha irmã disse-me “tens que ouvir esta, vais gostar” (a minha irmã sabe coisas importantes). Trago-a idealizada e é assim que quero que continue. Nunca a li ou ouvi em entrevista. Vi-a, como toda a gente, rasgar a fotografia do Papa logo depois (ou antes) de dizer “fight the real enemy” e ouvi-a pedir desculpa, disso e de muito mais que desconheço, em músicas que se seguiram [I know that I have done many things / To give you reason not to listen to me (…) Words can't express how sorry I am / If I ever caused pain to anybody]. Ela é a que divaga. A música dela é extraordinária.
ps – Este é um bom site. Troquei uns emails com o Roman: eu mandei-lhe as letras de duas músicas; ele mandou-me três ficheiros mp3 com músicas, não editadas, da fase Irish Traditionals. Vantagem de cá. (confesso que não engulo a «Brigidina Diana», música dedicada à malograda princesa de Gales e cuja letra é parcialmente decalcada da oração «Avé Maria»)

Ils sont fous ces suédois !

Este fim-de-semana fui a uma das novas catedrais do consumo da grande Lisboa: o Ikea. Precisava de comprar umas cadeiras e arrisquei. Chegada a Alfragide dei de caras com uma estrutura gigante de dois pisos cheios de móveis, não sei quantos lugares de estacionamento, playground para as criancinhas, comes e bebes e ainda um espaço com produtos alimentares oriundos da Suécia. Parecia uma saloia, comentei vinte vezes que isto ou aquilo era baratíssimo, giríssimo e, claro, trouxe mais não sei quanta tralha para além daquilo que precisava. Quando voltei a recuperar os sentidos, cheguei à conclusão que o ataque de provincianismo agudo que tinha acabado de sofrer era a prova irrefutável que o meu regresso a Portugal aconteceu há demasiados anos.

segunda-feira, 30 de agosto de 2004

Diálogos monólogos

E já que falei do «Dancer in the Dark» aproveito para referir o meu filme preferido. É difícil escolher só um filme preferido e, feita a escolha (com todas as ressalvas: “um dos”, “até agora”, etc.), é ainda mais difícil falar dele. Por isso vou só falar de uma coisa: os diálogos da Bess com o seu deus, em que ela fala consigo própria. De um lado uma voz autoritária, um olhar virado para baixo; um tom repreensivo e condenatório. Do outro, uma voz infantil, um olhar expectante, virado para cima (como na foto); um tom choroso, suplicante mas subserviente. Já tive muitos diálogos destes, mas tanto o meu deus como eu fomos, ao longo do tempo, mudando de voz, de tom e de posição relativa.

- Bess McNeil, for many years you’ve prayed for love. Shall I take it away from you again? Is that what you want?
- No, no. I’m still grateful for love…
- What do you want then?
- I pray for Jan to come home.
- He will be coming home in ten days. You must learn to endure, you know that.
- I can’t wait.
- This isn’t like you, Bess. Out there, there are people who need Jan and his work. What about them?
- They don’t matter. Nothing else matters. I just want Jan home again. I pray to you. Oh, please, won’t you send him home?
- Are you sure that’s what you want?
- Yes.
(…)
- Father, are you there? You’re still there?
- Of course I am, Bess, you know that.
- What’s happening?
- You wanted Jan home.
- I changed my mind. Why did I ask for that…?
- Because you’re a stupid little girl, Bess. I had to test you. Your love to Jan has been put to the test.
- Thank you for not letting him die.
- You’re welcome, Bess.
(…)
- Don’t let him die.
- And why shouldn’t I let him die?
- I love him.
- So you keep saying, but I don’t see it.
- There’s nothing I can do… There’s nothing at all.
- Prove to me that you love him and then I’ll let him live.
(…)
- Dear father, what’s going on?
-
- Father, where are you?
(…)
- Father, why aren’t you with me?
- I am with you, Bess. What do you want from me?
- Where were you?
- Don’t you think I have other people who want to talk to me?
- Of course. I haven’t thought of that.
- And there’s this silly little thing called Bess, who keeps on wanting me to talk to her so my work has been piling up a bit.
- But you’re with me now?
- Of course I am, Bess, you know that.
- Thank you.

Fixe

Quando era pequena passava muito tempo a matutar nesta constatação do Calvin e tomei medidas. Eu não ia ser assim. Todos os dias reforçava a minha resolução, embora até me parecesse impossível vir alguma vez a esquecer-me do que era fixe. Mas por via das dúvidas e por ser constantemente confrontada com adultos que tinham sofrido dessa inexplicável amnésia, era quase diária a minha conversa comigo mesma: sim, continuo a saber o que é fixe; sim, continuo determinada a fazê-lo logo que possa. É por isso que hoje vivo numa roulotte com um pastor serra da estrela.

No matter what

Vivemos entre o receio de desiludir as pessoas de quem gostamos e a necessidade de sermos nós próprios, com todas as nossas imperfeições. Quanto a mim: “It’s hard to find people who will love you no matter what. I was lucky enough to find three of them.”* Obrigada (do tamanho do mundo).
(*Carrie Bradshaw, «Sex and the City»)

Princípio, meio e fim

Normalmente, não queremos assumir que o fim é também uma fase. Tentamos reduzi-lo a uma zanga, a um fazer de malas, a um bater de porta. Mas um final sucede sempre a um meio e precede sempre um princípio. Se não o planearmos, dicutirmos e vivermos a dois porque dói, porque estamos cansados, tristes e desiludidos com o outro e connosco, corremos o sério risco de destruir o que passou e comprometer o que nos aguarda.

sexta-feira, 27 de agosto de 2004

28 de Agosto

Por mais incrível que possa parecer, há outro alguém que eu adoro que faz anos neste mês. Parabéns! Quando o vir não lhe vou dar um beijo porque ele diz que não gosta de receber presentes.

Post scriptum

A vontade de partilhar tudo contigo não nasceu com a chegada da Primavera. Este querer já viveu todas as estações do ano.

quinta-feira, 26 de agosto de 2004

Uma questão de fé

“When we get to the end of human beings we have to delude ourselves into a belief in God, like a gourmet who demands more complex sauces with his food.”*
Não compreendo que se tenha fé em Deus e pouca ou nenhuma fé nos seres humanos.
(*Graham Greene, «The End of the Affair»)

Individualidade

Desde que vi o “Texasville” desenvolvi um preconceito quanto a roupas com dizeres, palavras e marcas estampadas. Levei a cabo um raide surpresa ao meu guarda roupa de verão e apanhei:
(i) uma t-shirt “Garfield” – veio da Holanda em 1988, foi oportunamente roubada à minha irmã e tem uma vista panorâmica fantástica do Garfield na praia com o Pooky e o Odie. Nos ombros, o céu azul e as nuvens brancas bem desenhadas; no abdómen, as montanhas ao fundo; do umbigo para baixo, a areia. Isto em 360º (frente e costas), excepto os personagens que só aparecem à frente. Assim se explica que eu ainda vista uma t-shirt com 16 anos, ostentando “Garfield” em letras gordas alaranjadas.
(ii) uma i-shirt* onde se lê “myself” – foi comprada este ano e faz todo o sentido: 2004 é o ano do meu eu.
(iii) um vestidito de praia onde se imprimiu “Maui Girl” – mas onde eu leio sempre, talvez por ser ao espelho ou por causa da dislexia, “Miau Girl”. “Miau” como expressão da minha individualidade; gosto.
*uma i-shirt é uma t-shirt sem mangas.

Jamie Cullum - Twenty something

Não conheço ninguém que já o tenha ouvido. Eu não me canso.

A grande importância dos pequenos hábitos

Eu não tomo o pequeno almoço em casa e a minha pastelaria do costume fechou todo o mês de Agosto. Ser obrigada a frequentar o café do lado já me anda a transtornar. É que eles não vendem croissants folhados com muito queijo e manteiga e o galão escuro não tem o mesmo sabor.

quarta-feira, 25 de agosto de 2004

29 de Agosto

Neste dia alguém que eu adoro faz anos. Neste dia nada mais importante no mundo acontece.

Considerações sobre um amigo que já partiu

O amigo já partiu. Soube bem ouvir a sua voz uns minutos antes do embarque dele para o fim do mundo. Sempre julguei que a nossa amizade teria termo certo. A minha teoria era simples: eu tinha aparecido na vida dele para lhe dizer umas coisas e pronto. Bem, as coisas foram ditas, sem papas na língua, sem pensar duas vezes, a olhar com ansiedade para o relógio do tempo a ver se ainda dava para acrescentar mais um ponto de vista, um pensamento, um comentário, um silêncio. O termo certo aconteceu no sábado e quando o meu telefone tocou para ele se voltar a despedir eu percebi instantaneamente que a nossa ligação, afinal, não tinha fim à vista. Ainda bem.

terça-feira, 24 de agosto de 2004

Vida de mãe - episódio 3

A minha empregada apesar de estar de férias ofereceu-se para ficar um dia desta semana com o meu filho. Agradeci imenso o convite até porque já comecei a trabalhar e o infantário ainda não voltou a abrir as portas. Combinámos encontrarmo-nos hoje. Preocupada, resolvi perder uma manhã de afazeres profissionais e dar ao miúdo todo o tempo do mundo para se adaptar ao programa. É que ele já não via a senhora há quase um mês (unidade de tempo equivalente a uma eternidade para uma criança de dois anos) e nunca tinha ido a casa dela. Imaginei-o primeiro a sorrir quando a visse mas depois a chorar agarrado a mim quando percebesse que a ideia não era irmos brincar todos juntos. Prevendo este possível cenário, carreguei a mochila dele com os seus bonecos preferidos, livros, não sei quantos carrinhos e a imprescindível chucha para o que desse e viesse. E lá nos metemos no carro rumo ao Parque da Bela Vista. Eu já estava completamente mentalizada para o pior e até já tinha pensado em várias soluções alternativas. Chegámos. A senhora estava na rua à nossa espera aos pulos gritando o nome do meu filho e ele ao vê-la desenhou o tal sorriso. E depois? Depois, saltou voluntariamente para o colo dela e disse-me adeus com o ar mais seguro e bem disposto da vida. Não tive outro remédio senão enfiar os receios de mãe no saco e guiar descontraidamente até ao emprego.

segunda-feira, 23 de agosto de 2004

Melhores amigas

É normal deixarmos de usar esta expressão quando acabamos o liceu ou, na melhor das hipóteses, a faculdade. A partir dos nossos famosos 18 anos pensamos que o termo não terá mais aplicação possível. As melhores amigas costumam ficar arquivadas com os nossos diários. Fechamos a porta do mundo cor-de-rosa para ir trabalhar e não acreditamos voltar um dia a tropeçar em verdadeiras amizades. Daquelas que nos fazem dar gargalhadas, pagar contas de telefone absurdas, conversar até altas horas da noite, sentir saudades, partilhar segredos, trocar presentes, conselhos e carinhos, vencer desafios. Esta é a regra. Eu tive a sorte de experimentar a excepção e de as (re)encontrar no espaço e no tempo menos provável.

A outra água

O meu corpo mergulhado na água do mar vive uma sensação adicional de liberdade provocada pelo sal e pela infinitude.

quarta-feira, 18 de agosto de 2004

Chocolate

Eu sabia Sam. Devia ter continuado a comer chocolate. As vantagens são inúmeras e o inconveniente é único: borbulhas na cara.

terça-feira, 17 de agosto de 2004

What about love?

Overrated. Biochemically no different than eating large quantities of chocolate.* E, como toda a gente sabe, o chocolate vicia.
(*John Milton, «The Devil’s Advocate»)

segunda-feira, 16 de agosto de 2004

Os musicais

Sou fã e porquê? Tudo começou com o «Sound of Music» que vi no Londres. Não sei que idade tinha, mas o facto de as cadeiras descerem quando nos sentávamos ainda representava a grande mais valia de uma sala de cinema. Cheguei às óperas rock conhecendo três ao mesmo tempo: «Tommy», «Jesus Christ Superstar» e «Evita». Tinha 9 anos quando fiz uma viagem de carro pela Europa, que durou um mês, e esta foi parte substancial da banda sonora. Consumi todos os musicais exibidos na televisão e elegi como preferidos o «Annie», o «High Society» e o «My Fair Lady». Vi o «Chess» em Londres (1987) e o «Cats» em Nova Iorque (1996). O «On connaît la chanson» e o «Molin Rouge» trouxeram-me a novidade dos musicais sem música original. O «Chicago» retomou a tradição. Mas antes destes últimos três vi o musical que me explicou porque é que eu gosto tanto de musicais e que, ao mesmo tempo, perverteu a filosofia do género. Como disse a Selma: “In a musical, nothing dreadful ever happens”. À beira do cadafalso a Selma continua a brincar com as legítimas expectativas de quem está a ver um musical, e canta (com a melodia do “New World” que passa no final do filme): “This isn’t the last song / There’s no violins / The choir is quiet / And no one takes a spin”. Os finais tristes suscitam sempre a mesma reacção: isto não vai acabar assim; especialmente quando acreditamos nos musicais.

O caminho menos percorrido

Two roads diverged in a yellow wood,
And sorry I could not travel both
And be one traveller, long I stood
And looked down one as far as I could
To where it bent in the undergrowth;
Then took the other, as just as fair,
And having perhaps the better claim,
Because it was grassy and wanted wear;
Though as for that, the passing there
Had worn them really about the same,
And both that morning equally lay
In leaves no step had trodden black.
Oh, I kept the first for another day!
Yet knowing how way leads to way,
I doubted if I should ever come back.
I shall be telling this with a sigh
Somewhere ages and ages hence:
Two roads diverged in a wood, and I—
I took the one less travelled by,
And that has made all the difference.
(Robert Frost, «The Road Not Taken»)

Serendipity

Os acontecimentos serendipíticos ocorrem com todos nós, mas frequentemente não reconhecemos a sua natureza serendipítica; consideramos tais ocorrências banais, e consequentemente não tiramos total partido delas.
(M. Scott Peck, «O Caminho Menos Percorrido»)

sexta-feira, 13 de agosto de 2004

Sem colaborações espontâneas

Neste blog há “cositas” sobre Manolito, Felipe y Etcetera, em quantidades apreciáveis. Claro que ni Manolito, ni Felipe, ni Etcetera, saberiam decifrar essas “cositas”.

Confiança (medo)

Karen e o seu marido Richard
Karen - I know that Richard will always be faithful to me.
Harold - That's nice. Trust.
Karen - Fear of herpes.
(«The Big Chill»)

quinta-feira, 12 de agosto de 2004

Elseve e Pantene

Todos os dias, várias vezes ao dia, damos por nós a considerar diversos aspectos do passado, presente e futuro em função do estado do nosso cabelo. Ora, se o lavar na segunda de manhã, apesar daquela reunião às nove e meia, já estará aceitável na terça à hora de jantar, mas isso implica que na quinta o volte a lavar e no almoço de sexta ainda não vai estar controlado. Talvez se o lavar na quarta à noite e dormir com ele apanhado...
O “caracóis perfeitos” não é má escolha quando o cabelo está comprido e o “liso intenso” será porventura uma boa opção para o cabelo mais curto. Porém, com ele pela altura dos ombros, constato que o “caracóis perfeitos” o transforma numa carapinha e o “liso intenso” num capacete. Não, obrigadinha, não estou interessada em usar o “cabelos normais”; que tédio. Também não me venham falar das maravilhas da cosmética de farmácia ou de perfumaria; passo bem sem ter de introduzir mais trinta e oito produtos capilares no meu leque de opções. Mas descobri uma combinação com resultados aceitáveis: shampoo “liso intenso” seguido de amaciador “caracóis perfeitos”. Não está mal.

quarta-feira, 11 de agosto de 2004

Vida de mãe - episódio 2

O meu filho teve durante muito tempo uma paixão especial por maçãs. Sempre que lhe perguntava o que é que ele queria para sobremesa, a resposta era inevitavelmente a mesma. No entanto, de um dia para o outro e sem qualquer razão aparente, resolveu rejeitar liminarmente aquele fruto. Comecei por não me importar com o facto porque é sabido que os gostos alimentares das crianças vão variando ao longo do tempo mas passaram-se meses e não havia maneira do meu filho fazer as pazes com as maçãs. Decidi agir e pus a minha cabecinha de mãe a funcionar para ver se reabilitava aos olhos da minha cria a fruta outrora preferida. E acabei por encontrar uma solução: em vez de partir a maçã aos quartos, cortei-a em forma de palitos e disse-lhe que eram batatas fritas. Ele achou graça à semelhança e eu consegui resgatar (até quando?) um alimento que à primeira vista parecia ter sido desprezado para sempre.

Denegação

A minha teoria sobre a pouca importância que dou à beleza dos homens não me convence. Deve haver uma explicação para a necessidade de a papaguear.

Espaço e tempo

«Espaço de tempo» é uma expressão que sempre me incomodou. Usar a dimensão «espaço» para exprimir uma certa dose da dimensão «tempo». Uma medida como forma de quantificar outra. É o mesmo que dizer “faltam toneladas de quilómetros para lá chegar” (esta, que inventei agora mas vou já ali ao INPI registar, tem a sua piada). E, no entanto, pode falar-se na distância do tempo*. Distar, distante, distanciamento.

Há matérias em que o espaço e o tempo se confundem. O “longe da vista, longe do coração”, por exemplo, usa o longe no espaço e o longe no tempo. Ele até pode ter ido para o outro lado do mundo: se foi ontem, está só longe da vista; se foi há um mês, já está longe do coração. Também naquela música dos “Toranja” que se tem ouvido muito por aí. O rapaz não tem espaço para meter cada verso na respectiva linha melódica e, apesar disso, arranja tempo para o fazer. Experimentem dizer este espaço de duas linhas no tempo máximo de meio segundo, e a cantar: “Anseio o dia em que acordares por cima de todos os teus números raízes quadradas de somas subtraídas sempre com a mesma solução”. Mas gosto desta música.

A mim ensinaram-me que um segundo é o tempo que demora a dizer um algarismo de três dígitos e sem zeros. Assim: trezentos e quarenta e cinco (um segundo); trezentos e quarenta e seis (dois segundos); trezentos e quarenta e sete (três segundos); e por aí adiante. Isto era para contar o tempo que eu aguentava debaixo de água, e não havia algarismos de três dígitos sem zeros que chegassem.

Entretanto, este post, que me tomou algum tempo, está a consumir demasiado espaço. E o essencial está dito.
(*Distância – espaço que medeia entre dois pontos, dois lugares ou dois objectos; lapso de tempo entre dois momentos, «Dicionário da Língua Portuguesa», Porto Editora)

Niente e nessuno al mondo potrà fermarmi dal ragionare

«Michael - I don't know anyone who could get through the day without two or three juicy rationalizations. They're more important than sex.
Sam Webber - Ah, come on. Nothing's more important than sex.
Michael - Oh yeah? Ever gone a week without a rationalization?»*

Mas a maior importância de uma coisa não se mede só pela menor resistência à privação, ou não haveria nada mais importante, para mim, do que beber água. Há que introduzir o factor “taken for granted”. É provável vir a ser privada de beber água? Não, não é. E o que é certo é que não tenho tido tempo para pensar. Essa é que é essa.

(*«The Big Chill» e o título do post é do Jovanotti, «Penso Positivo»)

Crise

As listas de espera nas praias portuguesas aumentam e o governo não faz nada. Os boletins a anunciar a melhoria do tempo “lá para quinta-feira” fazem lembrar aquela história da retoma económica. Aguardo uma decisão firme, com pulso, doa a quem doer. Sim: se a situação não melhorar até ao fim-de-semana, não haverá alternativa. Decrete-se a requisição civil do sol e a colaboração coerciva das temperaturas elevadas. Com efeitos a partir de 15 de Agosto, sff.

Para o meu amigo Sulley

Estava a ver pela enésima vez os Monstros e Companhia e dei comigo a pensar que tu bem podias ser o Sulley e eu o pequeno monstro verde, o Mike. É verdade que as semelhanças fisionómicas entre aqueles bonecos animados e nós são difíceis de encontrar (talvez os dentes sejam parecidos) mas a relação de amizade dos dois fez-me lembrar o nosso companheirismo, cumplicidade e boa disposição. Era bom que o fim do filme que estamos a viver fosse idêntico ao daquelas personagens e que também nós conseguíssemos substituir os sustos por gargalhadas.

terça-feira, 10 de agosto de 2004

Outra hipótese

I remember reading somewhere that men learn to love what they're attracted to, whereas women become more and more attracted to the person they love.
(Graham, «Sex, Lies and Videotape»)

Olhos e ouvidos

“Os homens perdem-se pelos olhos e as mulheres pelos ouvidos”. Não sei quem o disse mas, lá está, ficou-me no ouvido.

Visão e audição

Tenho fraca memória visual de traços fisionómicos. Não reconheço pessoas que conheço e, pior, reconheço pessoas que não conheço. Após um período de testes, verifiquei que o erro de processamento é recorrente no caso de ficheiros masculinos e resultará da inoperacionalidade da minha função “save” quanto a estes ficheiros, em qualquer formato “image”. Assim, um ficheiro masculino só é arquivado quando as suas “properties” permitem um “save as word document”. Estou a pensar arranjar lentes de contacto para ver se deixo de cair em conversas.

»Intermezzo«

[-pssst.
-Sim?
- Posso dizer olá a uma pessoa que me está a ver?
- Não está previsto que...
- Vá lá.
- Abrir um precedente pode ser...
- Só desta vez.
- Parece-me mal estar agora...
- Please.
- Está bem, está bem. Rápido.
endireita as costas, aclara a voz, chega-se à frente:]
“Queria mandar um beijinho para a minha irmã.”
[recua:
- Obrigada.
- De nada. Pareceu-me bem.]

Serviço Público

Até o cruzeiro Caras vai ser cancelado.
(para as três veraneantes)

Arrumos

Tenho o armário da minha vida completamente desarrumado desde há muitos meses. A origem deste desalinho tem várias causas e uma delas consiste certamente no facto de eu nem sequer saber por onde começar a limpeza. Sexta-feira passada resolvi colocar o avental e tentar dar um jeito a uma das gavetas. A experiência não correu nada bem mas teve o condão de abrir um móvel que, a bem dizer, já começava a cheirar a mofo.

segunda-feira, 9 de agosto de 2004

Caos

Nunca mais cozinhei e não tenho ido fazer compras ao supermercado. Matei três sardinheiras à sede e não me tenho esforçado por salvar a moribunda (e agora é que chove). As sete sardinheiras sobreviventes, a buganvília e o hibiscus já devem ter encetado contactos para arranjar novo(a) dono(a). No fim-de-semana fui ao IKEA e à Habitat ver se reencontrava o meu interesse pelas lides domésticas. Não estava em nenhuma das duas lojas, mas na Habitat comprei uns módulos jeitosos para arrumação de dvd’s. De volta a casa, consegui obrigar-me a despender 35 minutos com essa tarefa. No ginásio onde comparecia todos os dias úteis pelas oito da manhã, não me vêem há três meses (até me ligaram preocupados com a minha ausência). Entretanto, disseram-me que este desmazelo, vindo de quem vem, é um bom sinal e eu, desesperada, acredito. Mas ainda suspiro pela vida fácil da rotina e da disciplina.

Vida de mãe - episódio 1

Há umas semanas atrás fui confrontada com uma carta da escola do meu filho a solicitar uma autorização do encarregado de educação para um passeio cujo destino era uma quinta pedagógica situada em Loures. Confesso que não me senti nada confortável com a ideia. Ele só tem dois anos. Fiquei a matutar uns dias no assunto e após um sério debate entre o meu lado mãe protectora, preocupada e insegura e o meu lado mãe porreira, descontraída e confiante, lá assinei o papel. Chegou o grande dia. O miúdo estava encantado porque ia andar de autocarro e ver animais. À hora de almoço tive a tentação quase irresistível de telefonar para saber se o passeio tinha corrido bem. Aguentei-me. Ao fim da tarde, ao entrar no infantário, uma das auxiliares comunica-me num tom banal que o meu filho tinha uma pequena ferida no dedo causada por uma dentada de tartaruga. Só podia ser uma piada mas não era. Fiquei desconcertada. O que fazer da próxima vez?

domingo, 8 de agosto de 2004

Uma hipótese

Ele: Eu sou assim, quero isto, aquilo e aqueloutro, e fico irritado quando não tenho o que quero.

Ela: Eu não vou dizer-te como sou, até porque não é possível definirmo-nos. Os processos de evolução e de auto-conhecimento são contínuos e não permitem afirmações taxativas sobre aquilo que somos ou a forma como encaramos a vida e o mundo. Se estiveres à altura saberás aquilo que quero e quando o quero, sem eu ter que to dizer. Também fico irritada quando não tenho o que quero, mas essa irritação nunca será explicável através de uma simples fórmula de causa-efeito. Ah, e aprende a suspeitar de reacções amenas a factos potencialmente conflituosos.

Não dá

Ando há uns quantos dias a querer escrever um post sobre as diferenças entre homens e mulheres. Uma coisa com quatro ou cinco linhas, simplista, num tom peremptório, fazendo uso de estereótipos. Só agora é que percebi que, para este efeito, ando há uns quantos dias a tentar pensar como um homem. Por mais que me esforce, acho que não vai acontecer.

Mas qué isto?

Segundo Domingo de Agosto, chove em Lisboa e demora-se 25 minutos a chegar das Amoreiras ao Marquês de Pombal. Este governo está por um fio.

O Código Da Vinci

O.k. O livro pode ferir susceptibilidades e o autor não é nenhum Prémio Nobel mas o facto das suas quinhentas e tal páginas terem sido lidas em pouco mais de dois dias, com todas aquelas interrupções que umas férias com filho e família pressupõem, explicam perfeitamente o quanto gostei deste romance. Agora, por causa do meu pessimismo quanto à disponibilidade para a leitura nestes dias, já só me resta uma opção: a auto-biografia da Hillary Clinton. Pois.

sexta-feira, 6 de agosto de 2004

168 longas horas

Lembro-me de tentar explicar ao meu irmão do meio, na altura com três anos e ainda detentor do título de irmão mais novo, o que era “pouco” tempo e o que era “muito” tempo. A unidade de conta relevante para ele era quantas vezes seria preciso dormir até à verificação de determinado evento e creio que falávamos do seu aniversário. Sei que comecei a conversa por lhe dizer que faltava pouco tempo e que no fim ele concluiu, tristíssimo, que faltava muito tempo. A razão para isto não está na idade que ele tinha. A razão para isto poderia também explicar porque é que o título deste post não é “uma semanita”.

quarta-feira, 4 de agosto de 2004

Água

Sinto-me bem com o corpo mergulhado na água. Será porque neste elemento tudo se dilui? Até a tristeza? Não sei. Mas estou certa quanto à sensação de solidão intencional.

À noite

At night my mind does not much care
If what it thinks is here or there.
It tells me stories it invents
And makes up things that don't make sense.
I don't know why it does this stuff,
The real world seems quite weird enough.
(Bill Watterson, «The Indispensable Calvin and Hobbes»)

terça-feira, 3 de agosto de 2004

Ponto final

Não estou preparada. Alguma vez se está?

Piove

Hai visto che piove? Guarda come viene giù,
Tu che dicevi che non pioveva più,
Che ormai non ti saresti mai più innamorata
E adesso guardati sei tutta bagnata.
(Lorenzo Jovanotti, «Piove»)

segunda-feira, 2 de agosto de 2004

Definição

«The act of cheating is defined by the act of getting caught. One does not exist without the other.*» Mais: ser “apanhado” pode, por si só, ser suficiente para que certos actos inócuos sejam qualificados como “enganar”. Por exemplo (e para despistar), o aluno que quer saber que horas são e que, por estar a decorrer um exame, sussurra a pergunta ao colega do lado, estaria obviamente a tentar copiar, caso aquele inocente murmúrio fosse apanhado pelo professor. Não é que a ideia de copiar nunca lhe tenha passado pela cabeça, mas naquele momento ele só queria saber quanto tempo lhe restava para concluir o exame. Depois logo se via se ainda valia a pena.
(*Samantha Jones, «Sex and the City»)

O passado existe?

«O que foi não é nada»?
Noutro dia fui almoçar com um amigo de liceu com o qual mantenho um contacto esporádico. Apesar de nos vermos pouco, é um amigo mais intimo do que outros com que falo todas as semanas. Conhecemo-nos há 17 anos mas as nossas conversas são sempre sobre o presente. E, falando em presente, neste último almoço ele ofereceu-me um cd: o «best of» da Cyndi Lauper. O meu passado ganha consistência – quase existência – por estar guardado na memória dele.

Madalena

O meu irmão de 21 anos vai ter uma filha. O meu irmão tem 21 anos e, talvez por isso, é entusiasta de desportos radicais e de actividades perigosas relacionadas com carros e motas de alta cilindrada. Mas o meu irmão, apesar dos seus 21 anos, é conciliador, calmo, atencioso, doce, e matava-me se soubesse que eu disse isto. Apesar dos seus 21 anos, o meu irmão gosta muito de crianças; sabe estar, brincar e cuidar delas como poucos homens da sua idade. É vê-lo com as nossas sobrinhas e com os nossos irmãos mais pequeninos. Claro que não é a mesma coisa que ser pai. Essa tarefa nunca é fácil e poderá até ser mais difícil aos 21 anos. Mesmo que se diga que não estava na altura, ele está à altura. Isso é que interessa.

Um amor (in)evitável

Há dias em que me apetecia usar a expressão sem os parêntesis.

Olá, cá estou eu !

Ir de férias, já não é o que era. Agora, não há nada mais fácil que continuarmos ligados ao que nos prende no dia-a-dia. Basta uma linha de telefone e vontade. Sam, este post é para ti.